
Partilhamos, na íntegra, o texto gentilmente disponibilizado pelos professores da equipa do PNC na ES Cacilhas-Tejo, a quem agradecemos desde já a excelente colaboração!
«No passado dia 27 de março, no auditório da Escola Secundária de Cacilhas-Tejo, os alunos 12.º ano das turmas de Línguas e Humanidades, assistiram ao filme de animação Nayola, de José Miguel Ribeiro. De seguida puderam ter o privilégio de conversar com o argumentista do filme, Virgílio Almeida. O argumentista imprimiu um ritmo e dinamismo muito interessantes à conversa com os alunos que, entusiasmados e curiosos, formularam perguntas igualmente pertinentes.

O argumentista Virgílio Almeida começou por esclarecer o auditório que a partir de uma história real que um familiar do Eduardo Agualusa lhe contou, este começou por criar uma pequena narrativa. Posteriormente, e para o Festival de Teatro de Tondela, para o qual o mesmo autor foi convidado a criar um texto dramático, pediu ao amigo e também escritor Mia Couto que cocriassem outro texto, Caixa Preta. Vinte anos depois, surgiu a possibilidade de juntar as duas histórias e fazer, com total liberdade criativa, este argumento que Virgílio Almeida diz ter aceitado de imediato. Nesse sentido, algumas personagens sofreram, para a sua adaptação à linguagem do cinema, algumas transformações radicais, como por exemplo a personagem da jovem rebelde e rapper.
O argumentista também considerou que o mais importante neste filme, que é para maiores de 14 anos — o cinema de animação não é apenas para a infância —, não é o tema da guerra, mas a história de três mulheres, de três gerações que acompanharam um longo período de guerras, 13 anos de guerra colonial e 27 de guerra civil.
Tendo desafiado os alunos e jovens, não apenas a pensar na natureza da guerra, o autor mostrou, relatando o seu próprio exemplo, a necessidade e cuidado a ter para se criar uma obra de arte como Nayola, a saber, a pesquisa, o conhecimento do deserto, das tradições e rituais do povo (enterrar os mortos ou depositar os seus pertences junto às raízes das figueiras bravas), a simbologia de alguns animais (chacal) e de algumas palavras ou significados que variam de cultura para cultura. É o caso dos conceitos de “natureza” e “morte” que existem no mundo ocidental, mas não existem para estes povos e para as tradições dos angolanos que aparecem no filme e que tão importantes se tornam para a interpretação mais profunda deste filme várias vezes premiado. O autor também salientou o cuidado que houve na composição do andar da adolescente que anda como andam as angolanas e não como andam as mulheres europeias. Nesta fase, distinguiu o trabalho artístico do cinema europeu relativamente ao produzido pelos norte-americanos que, quando contam uma história, como o Rei Leão, a partir de uma narrativa da Nigéria, colocam tudo num plano que desliga a narrativa da sua origem e a aproximam do modo de ser dos americanos.

Também se falou da dimensão mais técnica da realização do filme e da fundamentação dessas opções para se conseguir contar a história destas três mulheres, a avó, Nayola e a sua filha. Falou e explicou as razões de ser do recurso ao desenho animado, à segunda e terceira dimensões (para se conseguir uma maior precisão dos movimentos requeridos em certas cenas do filme), às imagens de arquivo para que não se pensasse que o filme tinha apenas uma dimensão lúdica, reforçando o caráter verídico da guerra e das suas consequências exploradas no filme na vida das três personagens femininas. Também se falou da necessidade de pensar o colonialismo e o que ele significou na vida dos angolanos, sobretudo na cena em que Nayola parte os azulejos portugueses que representam os angolanos com símbolos associados a valores cristãos ocidentais e estranhos àquele povo que foi colonizado e é animista.
Foi um final de manhã em que os alunos receberam uma lição de arte e de cidadania: o respeito pelos valores que presidem à construção de um objeto estético de qualidade e com verosimilhança; o respeito pelos valores da dignidade humana das mulheres, dos outros povos, da vida; o valor do pensamento crítico relativamente à guerra, à colonização, às diferenças entre os povos que devem integrar o nosso conceito de fraternidade humana. Foi uma manhã de aprendizagem e de educação do olhar e do pensamento dos alunos para o que importa quando se trata de educar.
A equipa do PNC da ESCT deixa um grande agradecimento ao argumentista e à Coordenadora do projeto que facilitou o contacto e, mais uma vez, se disponibilizou para que o cinema viesse à escola.»
A Equipa do PNC da ESCT